Recado para você.
Eu quis escrever uma carta. Uma carta que falasse de meu apreço pela literatura; de meu respeito por todos os leitores de meus textos. Pensei em elaborar uma carta que publicasse um breve depoimento sobre a escritora que há em mim.
Lembrei, imediatamente, dos renomados escritores e de expertos críticos. E sabe o que aconteceu? Enxerguei-me tipo uma paisagem, qualquer paisagem, uma paisagem muito comum. Aquela que pode ser vista em qualquer esquina, em qualquer estrada, em qualquer parque, jardim ou afins. Onde se encontra flores desabrochadas, botões por se abrir, frutas saudáveis e podres. Onde se encontra, naturalmente, plantas jovens e idosas, passarinhos e terra.
Optei por enviar um recado!
Não procure defeitos em mim. Você encontrará tantos. Sou cheia de reticências. Pontos de exclamações em êxtases banais. Sou uma coleção de ocos, partes cruas, bem passadas e mal passadas. Inúmeros capítulos inacabados.
Um conjunto de terríveis medos (medo é o pior sentimento) que mapeiam alguns prazeres, tipo tirar cutículas das unhas dos pés. Tenho desejos loucos, ímpetos selvagens, por exemplo preservar a grossura da pele dos pés (não lixo meus pés) para suportar caminhadas com os pés descalços em terra vermelha.
Sou um sistema cardíaco em constante, plena e profunda paixão. Amo árvores secas, retas, tortas. Amo árvores decepadas, em pedaços de lenha. Extasio-me pelo grafismo de seus troncos. Amo a ímpar elegância dada pela mistura de cores neutras que vejo nas cascas que revestem as árvores.
Sou um álbum cheio de tabu. Imperfeições grifadas em escandalosos sorrisos. Uma tábua perfurada por diversas vezes, em vãs tentativas de alinhamento. Rebeldia desastrosa que provem num toldo de chita floral. Um tanto de desobediência, resistência pela mesmice. A porção de agressividade que choca, chacoalha, grita, chora e ri com desdem.
Um poço de alegria sem fim. Minando esperança verdinha, verdinha. E feito fonte luminosa, jorro, alheia aos olhares, exibindo eixo de harmonia entre o feio e o bonito, o luxo e o lixo, o palavrão e a palavrinha.
Você encontrará!! Defeitos, erros, e inadimplências em mim.
Tenho imensas alegrias (tipo criança na véspera de natal) por momentos simplórios. Oportunidades para ouvir o vento. Coisas que só se ouve em absoluto silêncio. E estudo, feito CDF, as menagens da lua.
Eu quis falar de um tanto de valentia da qual invisto e visto-me de coragem para assinar ilustre título de Escritora ao meu nome.
É, não escreverei a carta, pelo menos por enquanto não a escreverei. Outro dia quem sabe, a escritora que há mim o fará.
Vanda Ferreira
Dia das mães.
Durante a última semana, houve um festival promovido pelos mais diversos meios de comunicação, cujo tema foi “Dia das mães”. Sensibilizada pela mídia, ensaiei passos para produzir um novo poema e compartilhar da onda, dentro do contexto de que tudo que vai volta. No entanto, eu não soube extrair as entrelinhas da pauta para criar meu pretenso poema porque divaguei demais e extrapolei o foco.
Lembro de quando criança, o “Dia das mães” era um dia cheio de expressões que enalteciam valores femininos e maternais. As escolas produziam espetáculos destinados para exibição em exclusivístico evento festivo reservado às mães de seus alunos.
Ontem, véspera do “Dia das mães” optei por dormir às vinte e duas horas porque decidi que iria assistir o especial domingo. De forma que, acordei muito cedo e olhei para o céu, em busca de um sinal diferente. Conferi que tudo estava belamente igual, mesmo espetáculo de ontem, de antes-de-ontem e de antes-de-antes-de-ontem. Aliás, eu até já sabia que o céu não compartilha de discriminações e não se faria melhor ou pior por motivo algum.
Escancarei as cortinas da sala de estar, e por uma hora observei o movimento na rua. Tudo estava absolutamente normal, até a igreja da esquina, pregava o costumeiro culto bem alto que pincela a serenidade do amanhecer.
No jardim, a passarada revoou com a habitual alegria. As plantas continuam soberanas, em plena harmonia solar, e a brisa matinal lambeu-me do mesmo jeito deliciosamente leve.
Há cinqüenta e dois anos sou filha. Há trinta e dois anos sou mãe. A unidade se estabelece, enquanto filha ou mãe. Certamente que a esta unidade deveria dar-se um nome. Talvez algo que traduzisse que “mãe está para filho, assim como filho está para mãe”, é indiscutível que um não existiria sem o outro.
Parece que sou um ser especial e tenho a mídia toda focada em mim. Se sou um tipo de deusa, o sou porque fui condecorada por mais dois seres que facilitaram minha condição por meio de parceria antes, durante e depois do processo que me fez mãe.
Para tornar-me mãe foi necessário compartilhar de meu sangue. Juntar DNA mãe com o DNA pai para que o DNA filho viesse a existir. É claramente visível e compreensível que a trindade, pai, mãe e filho, tem igualmente valores e importâncias para a unificação do ser “mãe”.
Na verdade e em verdade percebo que a data “Dia das mães”, gera intenso movimento nas relações profissionais que evidenciam o comércio. Bem sabemos que sentimentos não são medidos em gráficos mercantis de coisas, inda mais por meio de ações que fortalecem a vaidade humana.
O maior mal da humanidade é a ganância por riqueza material, cuja fome é provocada pelo gigante vazio formado pelo excesso de exagerados pecados, e estes guiados por falsa visão.
Com licença, é preciso e quero abrir uma especial brecha para passar meu recado:
Gratidão não se expressa em oportunidades geradas por meio externo. Amor não se traduz em formas materiais de coisas e objetos. O bem se estabelece por ações que favorecem o bem. O maior bem é vida saudável.
Por tudo que falei e pelo que deveria ter falado, convido para providencial revelação de verdadeiro amor, reverenciando a Mãe-natureza, por meio de práticas que garantam sua saúde e longevidade.
Agora vou diagnosticar e identificar plantas doentes, rios poluídos, deficiências de matas ciliares e cuidar de minha produção de resíduos.
“Todo dia é dia do exercício para prática da gratidão”.
Vanda Ferreira
http://www.poetasdelmundo.com/verInfo_america.asp?ID=3883
Semi-cerrados olhos do sol esmaece o verde e o azul. Maliciosa natureza embusteia o momento para esconder o mapa das trilhas dos pássaros. Encaixo-me nas brechas da sabedoria para viver na repetição de instantâneos flashs. O entardecimento divulga roteiro campestre, estrada de terra, rastros da valentia de formigas. Caminho para o mundo de paz.
Um dia de glória
Não precisa ser dia especial no calendário mensal, nem anual, para vivermos um dia de glória. Não precisa ser dia de aniversário, ou formatura, ou casamento, ou nascimento de um filho, aquisição de um bem, ou a conquista de um sonho.
Um dia de glória, pode acontecer a qualquer dia do ano, em qualquer estação, em qualquer tempo lunar. Pode ser um dia chuvoso, quente, frio ou seco.
Mas afinal o que seria a “glória”? O que aconteceria para eleger um dia qualquer a um dia de glória? E o que significaria em nossa vida, um dia de glória?
Hoje tive um dia de glória!! E sabem por quê? Porque maravilhosamente assisti a participação, a receptividade de muita gente por um mundo de paz.
Testemunhei a provocação da mão estendida em pedição de uma aliança. A ansiedade de um fio de ligação para unir preciosidades e formar um colar de pérolas.
Sempre acreditei que o despertar é um longo processo. Abrir os olhos e ver a luz, sentir cheiro, ou fome ou calor ou frio, ouvir passarinhos ou a chuva caindo, não traz a totalidade, a plenitude do despertar. Despertar tem a ver com a afloração do cérebro e coração, e pode ser, até, independente dos sensores chamados de “cinco sentidos”.
Popularmente, diante da “ignorância” ou ingenuidade de quando não percebemos a “moral” de uma piada, uma explicação ou uma mensagem, o comunicador diz:
- Ei acorda!!!
E quer dizer: perceba!!! É deste despertar que desejo falar. Acordar do torpor e perceber a realidade.
Teria muitos eventos que eu poderia trazer para exemplificar a promoção do despertar. Aquela história que cego não é quem enxerga, mas aquele que se recusa a enxergar, é verdadeira.
Parece-me que o mundo está acometido de cegueira coletiva. Acredito que estejamos com aquela cegueira provocada pela mídia, pelos meios de comunicação, pelos agentes manipuladores dos veículos de comunicação, pelos interlocutores, articuladores de notícias e propagandas, que poderosamente nos converge à exclusiva atenção para um ponto discutido e estabelecido pela minoria.
Sabemos que somos induzidos para olhar para certos alvos, todos apontados por cidadãos, homens e mulheres, que se infiltram profunda e intimamente na sociedade. Somos hipnotizados. Assediados por palavras, imagens, ritmos, modismos, que nos manipulam, convencem, enfeitiçam, e ganham espaços para imperar em todos os aspectos da vida.
No entanto, no anelo das proezas a natureza é sensível. Cuida para ecoar o grito pelo bem. Grito que atravessa oceanos, rochas, desconhecidos caminhos e incalculáveis distâncias. Grito em uma língua universal, cujo dialeto é compreendido em qualquer lugar de qualquer continente. Felizmente há o propósito que se estabelece por força natural.
Sou uma observadora da vida. Quase nada faço. Quase somente observo o mundo, a história da humanidade. E assisto coisas horríveis. Choro dores mundiais. Choro até possibilidades vistas pela probabilidade!
Mas também me emociono e choro de alegria, em especial quando o grito ecoado atravessa a vida sem lesar mortalmente, nenhum dos inúmeros Cristos até que aporte em propícia solução.
Foi o caso dos mineiros “enjaulados” em um particular submundo subterrâneo. Este foi um grito pelo amor. Pelo respeito à vida. O alvo foi a indecência, cujo pecado foi aliviado para um numeroso grupo de seres humanos.
Um numeroso grupo de seres humanos, mundialmente foi despertado. Em todos os continentes houve um despertar para o simples de quando menos é mais.
A prática da ambição será reduzida. A gula, a avareza, e luxúria. Todos excessos, desejos com tendências exageradamente desenfreadas. Todos representados por demônios, em qualquer pesquisa que fizermos. Todos representados por intensos desejos por bens materiais.
No caso dos 33 mineiros que no dia 05 de agosto, ficaram presos no desastre que fechou o acesso a uma mina localizada a 700 metros de profundidade, em Copiapó, no Chile, a insanidade perdeu para a sabedoria do bem; a bestialidade se acovardou diante da preciosidade da vida humana.
Trinta e três Cristos foram usados, sacrificados por meio de dolorosas experiências. Trinta e três servos, para que, por intermédio dos quais, germinasse expressiva fraternidade. Houve a clara união dos povos pelo sentimento de respeito à vida. Houve clareza quanto ao despertar para a importância do amor familiar. Houve uma odisséia de clamor por aliança ao movimento pelo bem.
Quem vencerá? Fico pensando que a natureza sobreviverá à loucura do homem quanto à sua insistente escolha por evidente abuso para a extração de recursos naturais. Será que o bicho-homem sobreviverá?
Vanda Ferreira
Goela abaixo
Não houve o debruçar sobre a boca do esgoto. A ânsia de vômito foi vencida pelo desejo maior da insistência e persistência da fé revestida de verde esperança ao encontro do belo. A podridão enfiada goela abaixo, foi devorada pelo poder do bem-querer, instalado na redondeza do profundo estômago das espertas meninas arraigadas nas porteiras de meus olhos.
Vanda Ferreira
Semi-cerrados olhos do sol esmaece o verde e o azul. Maliciosa natureza embusteia o momento para esconder o mapa das trilhas dos pássaros. Encaixo-me nas brechas da sabedoria para viver na repetição de instantâneos flashs. O entardecimento divulga roteiro campestre, estrada de terra, rastros da valentia de formigas. Caminho para o mundo de paz.
Despida de vaidade
Opto por eternizar o instante, a ser mutante, deslavada de água benta, Prossigo nua de maldição, despida de vaidade. Zelo da pele emplastada de unguentos para afastar pecados ao mar dos tormentos. Prefiro a lisura do simples, coletividade do bem, o luxo do resgate, a inocência do hoje. Meus versos feitos seiva de capins, serão ruminados e renascerão fortes, adubados pelo esterco das pastagens.
Prefiro, assim. Sem vaidade, sem luxúria, sem colares mafiosos.
Gosto dos vinte dedos desanelados de comprometidos metais; gosto do livro aberto, devassando minha história sem esconderijos. Prefiro amar a oportunidade que me livra de ser uma imagem a mais em fotografias banais.
Prefiro isto àquilo.
A serenidade do conforto muscular facial, não sustentaria o sorriso fatal para a parceria com os demais, nos quadros dos famosos jornais; placidez de pele maculada reluz em holofotes celestes. Prefiro assim. Pactuar com a reserva da lua cheia de mistérios solares. Tomar sol, lua, chuva de bençãos e plantar meus pés na terra vermelha para refazer-me árvore. E então viverei belezas primaveris, coroada com arco-íris, e no verão ser reluzente árvore de ouro até incandescer e rogar pelo amor da chuva que sustentará pés para harmonizar o inverno e bem aventurar-se no ciclo floral.
Vanda Ferreira
Jardins
Dos jardins, falam os beija-flores, borboletas, arapuás e as varandas lambidas pelo vento;
Jardins são personagens nas lembranças de manhãs sagradas pela primavera enlaçada no aroma dos pães, biscoitos e café, em qualquer estação do ano;
As cores que estampam unhas das mulheres urbanas, e as flores amarelas e vermelhas dos vestidos das camponesas, falam dos jardins;
Jardins não possuem portal, lá atravessa saudade. Vai-e-vem do paladar que alimenta as meninas dos olhos.
Vanda Ferreira
Talvez
Talvez eu tenha boca gigante, escancaradamente aberta. Coisa de rio: tudo aceitável, recebido goela abaixo; Certamente que tenho o mesmo estômago do rio: nem tudo digiro; Talvez eu tenha desejo de terra, instabilidade que ora urge por chuva, ora urge por secura; Quereres que promovem as diferentes verdades da vida. Talvez eu até desejo ter estômago de ema, pernas de seriema, olhos de coruja e fome insaciavelmente humana.
Talvez, eu almejo estar em campo aberto ruminando paz e regurgitando-a em uma rosa-dos-ventos.
Vanda Ferreira
Andança
Meu rastro imprime lembranças; Andança pelos tortuosos caminhos, ladrilhados por micros-punhais
que pirograficaram-me a sola dos pés. Trilhas rumo à luz; demoradas e agonizantes pausas
em grutas de pedras habitadas por serpentes. No vale do inferno, longa caminhada, fugitiva das maldades.
Hoje meu rastro imprime gratidão, desenhos de gloriosa fé.
Vanda Ferreira
Prosa sinestésica
À minha frente, com os pés descalços, cravados na margem de areia, estava ele totalmente nú; Braços abertos, coração exposto, orelhas escancaradas, olhos voltados para o sagrado. Juntei-me ao acolhedor colo; Abraçados pelo vento, ouvimos sal espumando, uivos e sussurros, enquanto zumbia maresia. A nudez se desfez. Tingimento do sol tatuou o encontro das meninas de meus olhos com o banco solitário .
Aprendiz do bem
Aprendi com meu pai coisas importantes. Por exemplo olhar e ouvir, ouvir e sentir. Aprendi artes: macerar com o coração, fundir meu sangue com o verde florestal; Aprendi comer com os olhos e degustar as delícias dos cheiros, e, então, desenvolvi lingua na testa, aflorada de paladar, para lamber paisagens. Aprendi com meu pai a leitura das tatuagens que mapeiam os troncos de velhas árvores e expus o coração revestindo-me os ossos para ouvir passarinhos.
Aprendi com meu pai que o mundo é gigante, seus olhos são o sol, sua boca leitos d'agua, compartilha vida e é exemplo de gratidão.
Caminhei cores, trilhas do arco-iris, e descobri o ouro naquele tacho do horizonte celeste. Aprendi com meu pai a pregação de veemente amor santificador de paz que processa respeito pela terra, cobiça sentimental pela harmonia. E, aprendiz do bem, ensinei ao meu pai que vale a pena ensinar o bem.